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Analistas americanos sobre crise Brasil-EUA: 'Vai piorar antes de melhorar'

Mariana Sanches

UOL

Jul 27, 2025

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Brasil e Estados Unidos vivem o pior momento de sua relação bilateral pelo menos desde a redemocratização brasileira, há 40 anos. E a situação ainda deve piorar, antes que comece a melhorar.

Eis um resumo do que disseram quatro brasilianistas norte-americanos à coluna sobre a recente escalada de tensão entre as duas maiores democracias das Américas.

"Está claro que quando Donald Trump lança uma iniciativa como essa, esse é o começo e não o fim desta história", afirma Tom Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil e ex-subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental

Shannon se refere à sequência de atos de Washington que atingiram o Brasil em julho. No dia 9, Trump anunciou tarifas de 50% aos produtos do país. No dia 15, o representante comercial dos EUA, USTR, na sigla em inglês, abriu investigação contra o Brasil por supostas práticas desleais de comércio.

No dia 18, o Departamento de Estado impôs restrição de entrada nos EUA ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e a "seus aliados na Corte". Embora o órgão diplomático não divulgue, a punição se estendeu a outros sete ministros do STF e ao Procurador Geral da República Paulo Gonet, conforme apurou a coluna.

"Se por um lado este era um conflito que parecia fadado a acontecer, pelas posições políticas dos presidentes, pelo choque cultural entre as diferenças de interpretação sobre liberdade de expressão nos dois países e pelos aliados e desafetos de cada lado, ainda assim surpreende ver Trump impor uma tarifa de 50% ao Brasil", afirma Nick Zimmerman, consultor da Dinámica Americas e ex-Diretor do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca para Assuntos do Brasil e do Cone Sul.

Na prática, a cifra da taxação deve inviabilizar, ao menos temporariamente, cadeias produtivas inteiras nos dois países. E essa não é a única surpresa na atitude.

diplomático e comercial, contra aliados ou adversários. Mas o que ele fez com o Brasil é sem precedentes pelo que exige. É a primeira vez que Trump quer que o Executivo de um país interfira no funcionamento do Judiciário desse mesmo país", diz Will Freeman, pesquisador de América Latina do Council on Foreign Relations.

O aspecto que Freeman chama a atenção é o mesmo salientado pela revista britânica The Economist em um artigo de opinião na semana passada.

O semanário argumenta que "desde o fim da Guerra Fria", os EUA "raramente" interferiram "tão profundamente" em um país latino-americano como Trump tem tentado fazer com a taxa de 50% direcionadas ao Brasil

Mas o que levou Trump a tal movimento?

Aqui, os especialistas divergem. "A causa 1,2,3 e 4 são o processo de Jair Bolsonaro e os paralelos que Trump enxerga com a própria história dele. O Bolsonaro é um espelho no qual o Trump se vê", diz Brian Winter, vice-presidente executivo da Americas Society e do Conselho das Américas.

Assim como Bolsonaro, Trump também desacreditou o processo eleitoral e acusou fraudes sem provas. Ambos não aceitaram a derrota de seu projeto de reeleição e radicalizaram suas bases, a ponto que uma massa de apoiadores insatisfeitos atacasse o centro do poder em cada um dos países.

Nos EUA, foi no Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. No Brasil, na praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. O que se seguiu para ambos foi o ocaso político e a abertura de processos judiciais.

Nos EUA, esse procedimento demorou tempo a bastante para que Trump voltasse a disputar e vencer uma eleição antes de um veredicto. Em seu primeiro dia no cargo, ele anistiou integralmente todos os condenados pelos atos no Capitólio.

Já Bolsonaro parece fadado a um destino diferente, já que deve ir a julgamento até o fim do ano.

Desde o dia 8 de julho, quando Trump postou pela primeira vez nas redes sociais uma declaração que qualificava como "caça às bruxas" o processo judicial contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, ele próprio ou sua administração já repetiram a ideia de perseguição política contra o aliado mais de uma dezena de vezes. Uma delas na carta de tarifas, como justificativa à medida.

"Agora é 100% sobre Bolsonaro", diz Shannon, que prossegue: "ele já colocou tarifa no aço e não tem dificuldade em disparar ameaças aos BRICS, não acho que ele deixaria de citar se fosse esse o caso", afirma o embaixador dos EUA.

De fato, embora tenha imposto tarifas na China e ameaçado a Rússia com 100% de taxa, em nenhum dos dois casos o BRICS foi seu motivador. Na semana passada, aliás, Trump anunciou um acordo comercial com um dos novos integrantes do bloco, a Indonésia, e as negociações com a Índia, membro original do grupo, estão avançando.

Para Zimmerman, porém, Jair Bolsonaro é apenas uma parte da história. "Não existe uma motivação primordial, até porque o Trump muda de prioridades com constância", afirma o analista.

Ele continua: "Então vejo três razões centrais. Uma é a preocupação dele com a regulação brasileira sobre as big techs, que são motores da economia americana, e o quanto a legislação brasileira poderia servir de modelo para o que se fará no assunto no restante do Sul Global. Outra é a questão da expansão dos BRICS e da possibilidade de que isso represente uma substituição do dólar como moeda internacional. E a última são as conexões dos mundos Trump e Bolsonaro, que são muito estreitas e longevas e que dividem muitas narrativas".

Brasil soberano e perspectiva de aumento da pressão de Washington

Os quatro entrevistados afirmam que a resposta do Brasil deve ser "soberana", mesmo diante do risco de escalada do conflito.

"Algumas das demandas do lado americano, o Brasil não pode e nem deve entregar. Lula tem ganhado dividendos políticos e está firme que quer negociar mas não vai ceder. Será um caminho difícil para os dois países, ainda pode escalar mais", afirma Zimmeman.

Ele alerta porém que, embora haja ganhos de popularidade para Lula agora, a extensão e a intensidade da briga podem causar danos ao governo. "A eleição de 2026 está longe. Se o governo Lula optar pela briga de modo exagerado e a economia brasileira sofrer demais, Lula passa a assumir parte da culpa pelo problema", diz Zimmerman.

O presidente brasileiro foi categórico em dizer que a soberania nacional e a independência do Judiciá não estarão na mesa, mas que o Brasil quer negociar comercialmente.

Mas Trump não designou até agora um negociador nem determinou o início de uma discussão com o Brasil. À coluna, um oficial sênior da gestão Trump afirmou que "o Itamaraty minimizou as preocupações de Washington com Bolsonaro" e a Casa Branca disse que o país não mostrou nada "significativo" para que uma negociação se iniciasse.

"O Brasil está pronto para negociar, mas não existe nenhum interlocutor com quem o país possa ter conversas significativas agora. Trump crê que conseguirá forçar o Brasil a recuar no caso Bolsonaro. Não irá conseguir atingir seu objetivo, mas até a Casa Branca se convencer disso, a grande perdedora será a relação bilateral", diz Shannon, para quem, até agora, a resposta do Itamaraty foi "óbvia" ao "não se curvar".

A expectativa dos analistas é que Washington intensifique a pressão sobre Brasília.

"A Casa Branca tem condição de planejar ações retaliatórias a outros países que nem temos como imaginar. Ainda deve escalar nos próximos dias", afirma Winter, para quem este é possivelme o pior momento da relação bilateral de 200 anos.

A experiência do segundo mandato tem mostrado a Trump que ele tende a obter resultados positivos quando usa força desproporcional em disputas assimétricas, como que tem travado com países da América Latina.

"Trump espera, e provavelmente neste caso ele está errado, que os países latinos muito rapidamente se dobrem a suas vontades e demandas. Logo depois de sua posse, perguntado sobre a região, ele disse: 'Não precisamos deles, eles que precisam de nós'. E esse é o modelo mental dele para a região e até agora o que aconteceu confirmou isso para ele", diz Freeman.

Ele cita três exemplos: Panamá, Colômbia e México

Diante das ameaças de Trump da tomada do Canal do Panamá, o país retirou os chineses da administração do local, concedeu condições especiais a navios do governo americano e aceitou receber deportados de terceiros países.

Já a Colômbia tentou resistir à repatriação de cidadãos em aviões militares, se viu diante de todos os tipos de tarifas e sanções que forçaram o presidente Petro a recuar em menos de 24 horas.

Com tons menos humilhantes, a presidente do México, Claudia Scheinbaum, também tem sido constrangida a ceder a demandas de Trump sobre aumento da segurança na fronteira e deportações, sob ameaça constante de novas tarifas.

Influência de Eduardo Bolsonaro

"Trump certamente não é um presidente que acorda todos os dias pensando na América Latina. Então é definitivamente alarmante ver como Eduardo Bolsonaro alcançou o círculo íntimo do presidente e foi capaz de estabelecer essa agenda em sua cabeça", diz Freeman.

Ele se refere à campanha do deputado federal do PL-SP que, em dupla com o comentarista político Paulo Figueiredo, trabalhou nos últimos meses em Washington para convencer congressistas e integrantes da gestão Trump de que o ex-presidente brasileiro seria vítima de uma perseguição política e de que os EUA deveriam acionar seu ferramental de tarifas e sanções para forçar o Brasil a conceder anistia a Bolsonaro e seus aliados.

Segundo Shannon, porém, essa influência não deveria surpreender, já que Eduardo investe há quase dez anos na relação com Trump e a direita populista que ele lidera.

"Eduardo estava em Washington no 6 de janeiro, trocou com Bannon inúmeras impressões e táticas para o sucesso do projeto político nos dois países", diz Shannon. Além disso, Bolsonaro foi um dos raros líderes globais a ecoar as acusações de fraude eleitoral americanas e a seguir apoiando Trump após a derrota —ainda que isso lhe custasse uma relação fria e distante com o novo mandatário dos EUA, Joe Biden.

Nick Zimmerman, porém, sugere que tudo isso teria sido mais difícil se "Eduardo Bolsonaro não fosse a única presença constante brasileira nos últimos meses em Washington".

Segundo ele, "o governo Lula se ausentou do país antes mesmo do fim da gestão Biden". Os dois lados se frustraram um com o outro: do lado brasileiro, as promessas ambientais grandiosas de Biden jamais se concretizaram e foram vistas como jogada de marketing do democrata.

Do lado americano, o posicionamento de Lula sobre a guerra na Ucrânia, em confronto com a visão dos democratas, não foi bem absorvida.

"Certamente teria sido bom o Brasil ter tido mais contatos numa situação de crise como essa, mas nunca é tarde para abrir o diálogo e eventualmente os dois lados terão que encontrar uma saída", diz Winter.

Brasil: mais longe dos EUA, mais perto da China

No mesmo dia em que Trump postou pela primeira vez sobre haver uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro, Brasil e China fecharam acordo para a construção conjunta da ferrovia transoceânica, que conectará a Costa baiana ao litoral do Peru.

Embora o timing seja uma mera coincidência, não deixa de ser simbólico que o dia 8 de julho tenha explicitado uma clara distância do Brasil aos EUA e uma proximidade tão relevante com a China. Adversários globais, os americanos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, os chineses, o primeiro.

"Vejo o governo Lula tentando evitar de ter que escolher um lado entre a China e os EUA e fazendo seu melhor para se equilibrar entre eles e buscando novos parceiros, como Índia, Vietnã, União Europeia. Mas desde que o Lula se viu no radar de Trump, ele parece mais aberto a estabelecer laços mais fortes com a China do que antes. Está ficando claro que ele vê os EUA mais como uma ameaça ao Brasil e que talvez neste momento não haja outra opção que não se aproximar da China", diz Freeman.

Já Shannon afirma que o Brasil historicamente manteve uma posição bastante "sofisticada" de não-alinhamento a nenhuma das duas potências. E que a nova situação apresenta um desafio para que o país não perca essa linha de atuação.

Críticos do presidente Lula o acusam de ser ideologicamente antiamericano em sua política externa e a situação atual poderia reforçar o coro de quem enxerga a situação por esse prisma. Ideia que Brian Winter rechaça.

"Eu continuo achando que o Lula não é antiamericano e que o Brasil se beneficia de um mundo multipolar", diz Winter, para quem a situação poderá reforçar a presença do Brasil no restante da América Latina, na Europa e na Ásia.

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